terça-feira, 11 de maio de 2010

Meu mundo preto e branco.


Desde pequeno pude perceber que o mundo “branco” era mais legal. Todos os garotos tinham todo o tempo só pra brincar com seus amiguinhos. Tinham os melhores brinquedos, os melhores sapatos e as melhores roupas.
Parece que eram mundos diferentes em que vivíamos. Eles, sempre inteligentes, educados, bonitos. Eu, sempre sujo, na rua, e sem nenhuma escola. Nunca nos aproximamos. Não por que eu não queria, mas eles pareciam ter medo de mim.
Minha mãe sempre dizia que existia um homem que cuidava de mim, e que se eu fosse bom menino, realizaria todos os meus sonhos. Então eu pedi pra ele que me desse um amigo “branco”, falei que queria ser branco, só pra ver como era viver num outro mundo.
E o tempo passava, e continuava eu a observar os garotos brancos se divertindo, e eu trabalhando pra ajudar minha mãe no fim do mês. Eu não era de me queixar de trabalho, mas eu era criança, e como toda criança eu só queria me divertir. Ter amigos.
Eu tinha um amigo só, o nome dele era Jorge, um ursinho que um dia achei no chão perto da minha casa. Contava pra ele tudo que eu fazia, o que tava na minha cabeça, e ele nunca reclamava, parece até que gostava das minhas histórias.
Minha mãe trabalhava pra uma senhora bem legal. Ela mandava comida pra gente. E sempre que precisávamos mandava também roupas. Os filhos dessa senhora também eram brancos, mas minha mãe nunca deixava eu brincar com eles.
Nunca entendi por que, mas ela sempre dizia que eles não gostavam de mim, eu era diferente, era “preto”. Isso só me fazia querer cada vez mais ser branco, e saber qual era o problema em ser mais “escurinho”. Tornei a pedir pra Deus que me fizesse ficar branco.
Apesar das dificuldades eu e minha mãe sempre fomos muito felizes. Perto da onde morávamos tinha uma iluminação boa, um poste na esquina. Quando queríamos fazer alguma coisa diferente, íamos pra baixo do poste, pra que um pudesse ver o outro melhor.
Nossa casa era pequena. Tinha um banheiro, uma pequena cozinha e uma única cama onde eu dormia junto da mamãe. O único problema era a chuva, que quando caia, molhava a casa inteira, e não nos deixava dormir. Foi num dia de chuva como esse, que vi na casa ao lado uma família toda juntinha, em baixo de uma coberta, apenas esperando o frio passar. Por que não entra água na casa do branco?
Um dia vi na rua um potinho, não sabia o que tava escrito nele, mas onde eu colocasse, mudava de cor, o nome era tinta, minha mãe dizia. Então vi ali, a oportunidade de ser branco: era só eu achar um potinho daquele com a tinta branca e pronto.
Minha mãe me levou pra trabalhar com ela, e vi de perto os filhos da senhora, patroa da minha mãe. Não podia conversar com eles, olhar pra eles, ou fazer qualquer coisa que parecesse errado com os dois. Eles me provocavam, e eu, não podia fazer nada.
Encontrei perto da rodoviária um pote de tinta branca. Agradeci ao Deus e comecei a me pintar. Só tinha um problema: um pote de tinta não me pintaria todo. Mas ninguém iria notar as partes que faltaram, afinal, já tinha pintado o rosto e metade de um braço. Ninguém ia perceber a diferença, ainda mais porque agora eu era um “branco”.
Mas, andando pela rua, via as pessoas rindo, e os garotos apontando pra mim, como se houvesse algum problema comigo. O que aconteceu? Já sou branco, por que as pessoas não me respeitam? As coisas não mudaram em nada, e o pior, além de ouvir o riso das pessoas na rua, estava todo sujo de tinta.
Sabia que aquela experiência me traria um novo aprendizado, e foi o que realmente aconteceu. Um pouco depois, a chuva começou a cair, e percebi que a tinta branca no meu corpo estava saindo, ate que fiquei como era antes: negro e sem nenhum pingo de tinta branca pelo corpo.
Percebi que ser branco era apenas um modo de mascarar minha realidade, e me fazer acreditar que pudesse existir uma cor melhor do que a minha. E um dia, assim como aconteceu comigo, a chuva vai tirar a tinta branca do rosto de varias pessoas, que acham que apenas a cor vai fazer a diferença
Depois desse dia pude ver que não existia diferença nenhuma no meu pequeno mundo preto e branco.





(Allyson Limiro da Silva)